Tecnologia no Foodservice: Casos reais e inspirações no mercado
Por Daniel Castello, Diretor de Estratégia Digital da GALUNION
A adoção de inteligência artificial no Foodservice brasileiro já é realidade — e não apenas entre grandes cadeias. Diversos operadores, de perfis variados, estão testando, adaptando e expandindo o uso de soluções baseadas em IA. A seguir, reunimos casos mapeados no Radar Tech Galunion e outros casos disponíveis na mídia (todos brasileiros) que demonstram como a IA já está sendo aplicada com valor real no setor.
Fábrica de Bolo Vó Alzira (Grupo Z+): Integração total de dados e IA
Com mais de 300 lojas em 2024 e planos de chegar a 350 em 2025, o Grupo Z+ — holding que reúne Fábrica de Bolo Vó Alzira, Vó Alzira Café e Grão Espresso — enfrentava o desafio de atender centenas de microfranqueados com demandas diversas e variáveis. Desde 2017, a empresa implementa soluções de IA em parceria com a Datafit, com foco inicial em precificação otimizada e evolução para previsões de compra e produção personalizadas para cada unidade.
A IA batizada de Trinity é usada para recomendar preços ótimos, ajustar volumes de produção com base em sazonalidade e reduzir desperdícios. A tecnologia também está integrada a um sistema de respostas automatizadas para dúvidas operacionais dos franqueados, otimizando o suporte da franqueadora.
Resultados obtidos:
- Aumento de 40% no NPS;
- Crescimento de 15% no faturamento via pedidos sugeridos;
- Desperdício quase zero, com altíssima assertividade na previsão de demanda.
Grand Cru: Atendimento Automatizado via Chatbot
A Grand Cru implementou um chatbot chamado Margaux para facilitar o autoatendimento digital de clientes e parceiros. Disponível no site da empresa desde junho de 2024, o chatbot oferece um menu especializado para assinantes, permitindo consultas sobre planos e acesso a especialistas de atendimento e vendas. Além disso, a empresa lançou uma nova Unidade de Resposta Audível (URA) com um fluxo especial de atendimento para assinantes.
Gurumê + YEDDA: IA e visão computacional para inteligência operacional
A rede Gurumê, do Grupo Trigo, implementou a solução da Yedda em uma de suas unidades no Rio de Janeiro para monitorar padrões operacionais e o tempo de atendimento ao cliente usando câmeras integradas com inteligência artificial. O sistema aprende progressivamente a reconhecer comportamentos e indicadores-chave como tempo de serviço, eficiência da equipe e ocupação das mesas. Os dados são transformados em insights acionáveis que ajudam os gestores a ajustar rotinas, treinar equipes e elevar a padronização da operação, abrindo caminho para expansão da tecnologia para outras marcas do grupo
Domino’s Brasil: Previsão de Demanda com IA
A Domino’s Pizza no Brasil adotou o Microsoft Dynamics 365 Supply Chain Management com capacidades de inteligência artificial para aprimorar o planejamento de demanda. A solução permite prever a demanda com base em dados como clima e eventos esportivos, resultando em uma melhoria de 72% na precisão das previsões. Isso possibilitou à empresa desenvolver e aprovar planos em horas, em vez de dias, além de minimizar o desperdício de alimentos e administrar eficientemente suas instalações.
Outback + Risposta: Feedback com IA para elevar o NPS e orientar decisões operacionais
A rede Outback adotou a plataforma da Risposta com foco em elevar a qualidade da experiência do cliente e acelerar a correção de falhas operacionais. A ferramenta utiliza inteligência artificial para selecionar automaticamente 7 perguntas (de um banco de 33) com base nas maiores lacunas percebidas nas avaliações anteriores. As pesquisas são aplicadas ao final de cada visita e processadas diariamente. Com isso, os gestores conseguem revisar os dados de cada restaurante no início de cada turno, realizar correções imediatas e treinar equipes de forma precisa.
O uso da IA também permite distinguir se um problema é pontual ou recorrente, e já atinge cerca de 40% de resposta por mesa. Em menos de um ano, o NPS da rede chegou a 90 pontos. A meta futura é usar os dados em tempo real para gerar ações proativas — como identificar aniversariantes para experiências personalizadas, mesmo sem aviso prévio.
Estruturando o pensamento sobre a adoção de IA
Antes de apresentar um framework para análise, é essencial compreender que a adoção efetiva de tecnologias baseadas em IA não depende apenas da aquisição de ferramentas. Ela exige um conjunto de competências e processos organizacionais já funcionando a um determinado nível de maturidade.
A IA não resolve problemas estruturais mal definidos e tampouco substitui capacidades humanas e operacionais ainda em formação. Pelo contrário: ela amplifica o que já está presente. Se a cultura é analógica e reativa, a IA será subutilizada. Se os dados são inconsistentes, as previsões serão equivocadas. Se não há processos padronizados, os modelos não terão base sólida para operar.
Para ajudar operadores sofisticados a avaliarem sua maturidade, propomos uma divisão em quatro níveis, inspirada em modelos de maturidade organizacional adaptados à realidade do Foodservice:
Nível 1: Emergente
- Cultura digital incipiente.
- Pouco ou nenhum uso estruturado de dados.
- Processos majoritariamente informais.
- Tecnologia fragmentada.
Nível 2: Estruturando
- Alguns processos já padronizados.
- Presença de ERP, planilhas ou sistemas de gestão com coleta básica de dados.
- Liderança reconhece a importância da tecnologia.
- Adoção pontual de ferramentas digitais.
Nível 3: Integrado
- Cultura voltada à melhoria contínua.
- Processos operacionais e financeiros integrados por sistemas.
- Uso regular de KPIs para gestão e tomada de decisão.
- Dados confiáveis alimentam dashboards.
- Primeiras aplicações de IA já em curso.
Nível 4: Inteligente
- IA integrada à rotina decisória.
- Times treinados para interagir com sistemas inteligentes.
- Cultura orientada a dados, experimentação e aprendizado rápido.
- Cadeia de valor digitalizada, com automação de insights e otimização em tempo real.
Conhecer seu nível de maturidade não é um julgamento de valor, mas um passo vital para definir por onde começar. Operadores no Nível 2, por exemplo, podem priorizar projetos que fortaleçam a coleta e padronização de dados. Já operadores no Nível 3 podem testar modelos preditivos com impacto direto no EBITDA. A clareza sobre onde se está determina a inteligência sobre onde se pode ir.
No próximo artigo, exploraremos um framework de análise interna para avaliar a prontidão de um estabelecimento para a adoção de soluções baseadas em IA.